yachay Año 40, nº 77, 2023, p. 35-74
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YACHAY ADHIERE A UNA LICENCIA CREATIVE COMMONS
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INTERNATIONAL – (CC BY-NC 4.0)
BY NC
cc
DOI: https://doi.org/10.35319/yachay.20227761
Perdão e não pedradas: a miserável e a misericórdia no relato
da mulher adúltera (Jo 7,53 – 8,11)
Perdón y no pedradas: la miserable y la misericordia en el relato de la
mujer adúltera (Jn 7,53 – 8,11)
Forgiveness and not stones: misery and mercy in the narration of the
adulterous woman (Jn 7,53 – 8,11)
Waldecir Gonzaga1
Marcela Machado Vianna Torres2
Resumo
Neste artigo analisa-se a perícope Jo 7,53 – 8,11 e mostra a relevância deste
relato cuja origem joanina é contestada. Apesar de ser considerado por muitos
autores como um acréscimo tardio ao Evangelho de João, o relato foi considerado
como texto inspirado e configura parte do corpus do IV Evangelho e do Cânon
do Novo Testamento. A perícope trata de uma mulher apanhada em flagrante
ato de adultério, que é levada pelos escribas e fariseus para a presença de Jesus
para que este lhes dissesse qual seria o destino de “tais” mulheres. Esta forma
1 Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália. Pós-
doutorado sobre o Cânon Bíblico, pela FAJE, Belo Horizonte, Brasil. Diretor e Professor
de Teologia Bíblica do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Criador e líder do Grupo
de Pesquisa de Análise Retórica Bíblica Semítica, constante no Diretório do CNPq.
E-mail: waldecir@hotmail.com e waldecir@puc-rio.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/9171678019364477 e ORCID ID: https://orcid.org/0000-0001-5929-382X.
2 Mestranda em Teologia Bíblica junto à mesma Universidade. Bacharel em Teologia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Membro do Grupo de Pesquisa de Análise
Retórica Bíblica Semítica, constante no Diretório do CNPq. E-mail: <marcelamvtorres@gmail.
com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9630383223180390 e ORCID ID: https://orcid.
org/0000-0002-1922-3613.
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de dirigir-se à mulher já demonstra a forma pejorativa e linguagem de desprezo
para com ela. Além do cenário patriarcal, que omite a figura masculina que
também havia cometido adultério, percebe-se que por trás da preocupação
jurídica do delito em questão, está a intenção dissimulada de pôr Jesus à prova
frente à lei de Moisés e do poderio de César. Com autoridade de mestre, Jesus
não responde diretamente à questão, mas devolve a pergunta dando uma lição
de vida a todos os presentes, ensinando que o caminho é o do perdão e não
das pedradas. O ambiente de ensino é transformado num cenário jurídico em
que os julgadores, baseados na Lei mosaica, são levados a enfrentar a Lei do
amor e da misericórdia trazida por Jesus. A Lei mosaica é superada após o
evento Cristo; os escribas e fariseus não se encontram dispostos a seguir os
ensinamentos de Jesus e saem de cena sem a conversão. Neste estudo, reflete-se
a dimensão do perdão e do não-julgamento dentro da prática e na compreensão
religiosa de que Jesus veio para perdoar e não para julgar. O estudo divide-
se em segmentação, tradução, crítica textual, delimitação, estrutura e forma
retórica, análise das formas, gênero literário, comentários e conclusão.
Palavras chave
Acusação – mulher adúltera – pecado – escribas e fariseus – misericórdia
Resumen
Este artículo analiza la perícopa Jo 7,53 – 8,11 y muestra la relevancia de
esta historia, cuyo origen joánico es discutido. A pesar de ser considerado por
muchos autores como una adición tardía al Evangelio de Juan, el relato fue
considerado un texto inspirado y forma parte del corpus del IV Evangelio y
del Canon del Nuevo Testamento. La perícopa trata de una mujer sorprendida
en el acto de adulterio, que es llevada por los escribas y fariseos a la presencia
de Jesús para que les diga cuál sería el destino de “tales” mujeres. Esta forma
de dirigirse a la mujer ya demuestra la forma peyorativa y el lenguaje del
desprecio hacia ella. Además del escenario patriarcal, que omite la figura
masculina que también había cometido adulterio, es claro que detrás de la
preocupación jurídica del delito en cuestión, está la intención disfrazada de
poner a prueba a Jesús frente a la ley de Moisés y el poder de César. Con la
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autoridad de un maestro, Jesús no responde directamente a la pregunta, sino
que la devuelve dando una lección de vida a todos los presentes, enseñando que
el camino es el perdón y no pedradas. El ambiente de enseñanza se transforma
en un escenario jurídico en el que los jueces, basados en la Ley mosaica, son
llevados a enfrentarse a la Ley de amor y misericordia traída por Jesús. La
Ley mosaica es superada luego del evento de Cristo; los escribas y fariseos no
están dispuestos a seguir las enseñanzas de Jesús y abandonan el escenario sin
conversión. En este estudio, la dimensión del perdón y el no juzgar se refleja
dentro de la práctica y comprensión religiosa de que Jesús vino a perdonar y
no a juzgar. El estudio se divide en segmentación, traducción, crítica textual,
delimitación, estructura y forma retórica, análisis de formas, género literario,
comentarios y conclusión.
Palabras Clave
Acusación – mujer adúltera – pecado – escribas y fariseos – misericordia
Abstract
This article analyses the pericope Jn 7:53 – 8:11 and shows the relevance of
this narration, whose Johannine origin is disputed. Despite being considered
by many authors as a late addition to the Gospel of John, the account was
considered an inspired text and forms part of the corpus of the IV Gospel and
the Canon of the New Testament. The pericope deals with a woman caught
in the act of adultery, who is taken to Jesus by the scribes and Pharisees so
that he could tell them what would be the fate of “such” women. This way
of addressing the woman already exhibits contemptuous language and a
pejorative attitude towards her. In addition to the patriarchal scenario, which
omits the male figure who had also committed adultery, it is clear that behind
the legal concern of the crime in question, there is the disguised intention of
putting Jesus to the test in the face of the law of Moses and the power of
Caesar. With the authority of a master, Jesus does not answer the question
directly, but gives it back in a vital lesson to all those present, teaching that the
way is forgiveness and not stoning. The teaching environment is transformed
into a legal scenario in which judges, based on the Mosaic Law, are led to face
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the Law of love and mercy brought by Jesus. The Mosaic Law is overcome
after the Christ event; the scribes and Pharisees are not willing to follow the
teachings of Jesus and leave the scene without conversion. In this study, the
dimension of forgiveness and non-judgment is reflected within the practice
and religious understanding that Jesus came to forgive and not to judge. The
study is divided into segmentation, translation, textual criticism, delimitation,
structure and rhetorical form, analysis of forms, literary genre, comments and
conclusion.
Key words
Accusation – adulterous woman – sin – scribes and Pharisees – mercy
Introdução
A perícope Jo 7,53 – 8,11 é uma narrativa permeada por diálogos na
qual o narrador descreve que Jesus e o povo estavam num ambiente
de ensino quando os escribas e fariseus trazem, até Jesus, uma mulher
apanhada em adultério. Ela é colocada no meio da cena. Além de toda
a humilhação e medo, a mulher é exposta publicamente a uma situação
vexatória. Os acusadores já apresentam a situação proferindo a pena
que a Lei de Moisés imputa para “tais” mulheres: o apedrejamento até
à morte. O narrador informa que faziam isso para que tivessem com o
que acusar Jesus.
Era uma situação realmente muito delicada: caso absolvesse a
mulher, Jesus estaria incorrendo contra a lei mosaica; se aprovasse o seu
apedrejamento, ele estaria rompendo com as autoridades romanas que
haviam proibido o lapidamento. Jesus responde de maneira inesperada,
pois ordena que “o sem pecado” atire a primeira pedra (v.7e). Ele
recorre à Lei para condenar aqueles que querem também aplicar a letra
da Lei para agir de má fé, pois não estavam interessados no pecado
da mulher. Ela servia apenas como um instrumento para que pudessem
atingir seu objetivo maior: acusar e matar um determinado inocente,
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Jesus. Os escribas e fariseus queriam ferir a mulher com a pedra, mas suas
consciências é que foram atingidas pela “Lei inscrita na pedra”. O pecado
destrói a vida humana, porém somente a graça e a misericórdia de Deus são
capazes de restaurar aqueles que querem deixar o pecado. Jesus combate a
covardia daqueles homens. A perícope joanina revela pedagogias totalmente
diferentes: enquanto os escribas e os fariseus propõem a dureza da pedra,
Jesus indica que o caminho é o perdão e não a pedrada.
Por isso, neste artigo propõe-se realizar um estudo exegético da perícope
Jo 7,53 – 8,11, oferecendo segmentação e tradução, realçando alguns
elementos de crítica textual, a partir de algumas variantes que se considera
como mais relevantes para uma melhor compreensão do texto bíblico; em
seguida, trabalha-se a estrutura, a crítica das formas e o gênero literário,
para, finalmente, realizar o comentário exegético do texto bíblico. Cada
um dos passos é muito importante para melhor compreender a narrativa, os
diálogos, seus sujeitos e objetos, e continuar ajudando o leitor e o ouvinte
hodiernos a melhor entender toda a trama e seu desfecho, mas sobretudo a
proposta de superação da hipocrisia e a misericórdia como caminho para a
falta de perdão que ainda impera no mundo.
1. Segmentação e tradução de Jo 7,53 – 8,11
A segmentação, a tradução e as notas de crítica textual referentes à
perícope de Jo 7,53 – 8,113 revelam a beleza e a unidade temática deste
texto joanino. Todo o vocabulário empregado para a sua construção revela
o zelo de João para com a comunidade, em um diálogo de grande relevância
entre autor e seus leitores, sobretudo pensando no que a comunidade devia
estar enfrentando em termos de não coerência com a prática do que o
mestre havia pregado e deixado acerca dos riscos da hipocrisia e do valor
do perdão. Todo este exercício ajuda a perceber os movimentos e nuances
3 Texto extraído da edição Nestle-Aland, eds., Novum Testamentum Graece, ed. XXVIII,
(Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2012).
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de cada termo empregado no texto, sobretudo de seus verbos, campos
semânticos e elementos retóricos. Seu autor conhece as necessidades de
seus irmãos e irmãs de comunidade e as têm presente em seu agir pastoral.
Tudo isso auxilia na busca de uma possível estrutura do texto e em sua
compreensão bíblico-teológico-pastoral.
Καὶ ἐπορεύθησαν ἕκαστος
εἰς τὸν οἶκον αὐτοῦ,
753 E foram cada um para sua casa.
Ἰησοῦς δὲ ἐπορεύθη εἰς τὸ ὄρος
τῶν ἐλαιῶν.
81 Mas4 Jesus foi para o Monte das
Oliveiras
Ὄρθρου δὲ πάλιν παρεγένετο εἰς
τὸ ἱερὸν
2a E então, de madrugada,
novamente, foi para o templo
καὶ πᾶς ὁ λαὸς ἤρχετο πρὸς αὐτόν, 2b e todo o povo vinha a ele
καὶ καθίσας 2c E sentando-se
ἐδίδασκεν αὐτούς. 2d ensinava-lhes
Ἄγουσιν δὲ οἱ γραμματεῖς καὶ οἱ
Φαρισαῖοι
3a Trazem, então, os escribas e
fariseus
γυναῖκα ἐπὶ μοιχείᾳ κατειλημμένην 3b uma mulher apanhada em
adultério
καὶ στήσαντες αὐτὴν ἐν μέσῳ 3c e colocando-a no meio
λέγουσιν αὐτῷ 4a dizem-lhe:
διδάσκαλε, αὕτη ἡ γυνὴ
κατείληπται
4b “Mestre, esta mulher foi
apanhada
ἐπʼ αὐτοφώρῳ μοιχευομένη 4c no próprio ato cometendo
adultério
ἐν δὲ τῷ νόμῳ ἡμῖν Μωϋσῆς
ἐνετείλατο
5a e na Lei, Moisés nos ordenou
τὰς τοιαύτας λιθάζειν. 5b apedrejar as tais (mulheres)
σὺ οὖν τί λέγεις; 5c Tu, pois, o que dizes?”
τοῦτο δὲ ἔλεγον 6a Mas diziam isto
πειράζοντες αὐτόν 6b testando-lhe
4 A partícula δὲ é marcador de ênfase relativamente fraca; na tradução, ora será usado “então”,
“e” ou ainda “mas” para a língua de chegada. Sobre δὲ, ver: Johannes Petrus Louw y Eugene
A. Nida, Greek-English lexicon of the New Testament: based on semantic domains (New York:
United Bible Societies, 1996), 1007.
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ἵνα ἔχωσιν 6c para que tivessem (com o que)
κατηγορεῖν αὐτοῦ. 6d acusá-lo
ὁ δὲ Ἰησοῦς κάτω κύψας 6e Mas Jesus inclinou-se5
τῷ δακτύλῳ κατέγραφεν εἰς τὴν γῆν. 6f com o dedo escrevia na terra.
ὡς δὲ ἐπέμενον 7a Mas como insistiam
ἐρωτῶντες αὐτόν, 7b perguntando-lhe,
ἀνέκυψεν 7c levantou-se
καὶ εἶπεν αὐτοῖς 7d e disse-lhes:
ὁ ἀναμάρτητος ὑμῶν πρῶτος ἐπʼ
αὐτὴν βαλέτω λίθον.
7e “O sem pecado dentre vós, seja
o primeiro a jogar uma pedra
contra ela”.
καὶ πάλιν κατακύψας 8a E, novamente abaixando-se,
ἔγραφεν εἰς τὴν γῆν. 8b escrevia na terra
οἱ δὲ ἀκούσαντες 9a Mas eles, tendo ouvido,
ἐξήρχοντο εἷς καθʼεἷς 9b saíam, um a um
ἀρξάμενοι ἀπὸ τῶν πρεσβυτέρων 9c começando pelos mais velhos
καὶ κατελείφθη μόνος 9d e foi deixado só.
καὶ ἡ γυνὴ ἐν μέσῳ οὖσα. 9e E a mulher estando [continuava]
no meio.
ἀνακύψας δὲ, 10a Levantando-se, então.
ὁ Ἰησοῦς εἶπεν αὐτῇ 10b Jesus disse a ela:
γύναι, ποῦ εἰσιν; 10c “Mulher, onde estão?
οὐδείς σε κατέκρινεν; 10d Ninguém te condenou?”
ἡ δὲ εἶπεν 11a Então, ela disse:
οὐδείς, κύριε. 11b “Ninguém, Senhor”.
εἶπεν δὲ ὁ Ἰησοῦς 11c E disse-lhe Jesus:
οὐδὲ ἐγώ σε κατακρίνω 11d “Nem eu te condeno
πορεύου, 11e Vai
[καὶ] ἀπὸ τοῦ νῦν μηκέτι ἁμάρτανε. 11f [E], a partir de agora, não peques
mais”.
5 Privilegia-se a tradução do verbo “κάτω” como inclinar-se neste versículo e no v. 8a como
abaixar-se, pois entende-se a continuidade da ação de Jesus que primeiro inclina-se e depois
abaixa-se.
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2. Crítica Textual
Segundo o Aparato Crítico da 28ª edição do Novo Testamento de
Nestle-Aland, alguns manuscritos antigos do Evangelho de João omitem
esta seção e outros a posicionam no Evangelho de Lucas ou trocam sua
ordem no Evangelho de João. Por isso, o texto aparece entre colchetes
duplos – [[ ]] –, o que indica que o texto normalmente não faz parte do
texto original. Porém, na não certeza, o comitê avaliativo prefere deixar
no texto, visto o valor para a sua transmissão histórica. Assim se lê na
Introdução do Novo Testamento de NA28 acerca das informações sobre
a leitura de seu Aparato Crítico:
Colchetes duplos dentro do texto ([[ ]]) indicam que o texto ali
contido, geralmente mais longo, não faz parte do texto original. Esses
textos derivam de um estágio bem antigo da tradição, e, em muitos
casos, tiveram um papel importante na história da igreja, razão pela
qual não foram transferidos ao aparato crítico (veja, por exemplo, Jo
7,53 – 8,11)6.
Há de se observar que a descrição oferece como exemplo exatamente
o texto da perícope joanina em questão, objeto de nosso artigo (Jo 7,53 –
8,11), o que ajuda ainda mais na compreensão do exemplo e do estudo.
Outro dado importante, do conhecimento comum, é que este texto foi
acolhido pela Tradição e é considerado como inspirado. O cânon das
Escrituras foi “fechado” no final do século IV. O Concílio de Trento,
no século XVI, quando confirmou o cânon bíblico sustentou que era
o mesmo que a Igreja havia recebido e constava na antiga versão da
Vulgata, com todos os seus livros, sem nada tirar ou acrescentar, “tal
como costumavam ser lidos na Igreja Católica e estão contidos na antiga
edição latina da Vulgata”7, inclusive com a perícope da mulher adúltera
6 Cf. Nestle-Aland eds., Novum Testamentum Graece....
7 Cf. Waldecir Gonzaga, Compêndio do Cânon Bíblico (Rio de Janeiro: PUC – Petrópolis:
Vozes, 2019), 317; cf. Scott Hahn y Curtis Mitch, O Evangelho de São João (Campinas:
Ecclesiae, 2015), 57.
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(Jo 7,53 – 8,11), que foi acolhida no cânon tal como constava na Vulgata8,
sem nada alterar da antiga tradição bíblica dos primeiros séculos e da
decisão do fechamento do cânon, confirmada também pela 28ª edição do
Novo Testamento de NA28 que, embora entre colchetes duplos – [[ ]] –,
continua trazendo o texto, visto seu valor para a história da transmissão
do texto e sua não plena certeza acerca de sua antiguidade.
Aqui são apresentadas algumas evidências externas e internas
da crítica textual e se vê uma certa solidez sobre a evidência para se
afirmar sua origem não joanina. Quanto à crítica externa, o texto é
omitido na maioria dos códices gregos maiúsculos e minúsculos mais
antigos, bem como por alguns Padres da Igreja: ℘66.75 א Avid B Cvid Lc
N T W Δc Θ Ψ 0141. 0211. 33. 131. 565. 1241. 1333. 1424txt. 2768 a f
l q sy as ly pbo bopt; Or Hiermss9. Aparece pela primeira vez no código
Beza10. O texto íntegro não está no papiro Bodmer II (℘66) e nem no
Bodmer (℘75)11. Os códices A e C não apresentam esta parte em João;
porém existem lacunas no manuscrito, visto que estão faltando algumas
páginas. Segundo Metzger, é bem provável que nenhum deles continha
a perícope, pois estudos revelam que não haveria espaço suficiente nas
8 Jo 7,53–8,11 (Vulgata): “53et reversi sunt unusquisque in domum suam 1Iesus autem perrexit
in montem Oliveti 2et diluculo iterum venit in templum et omnis populus venit ad eum et sedens
docebat eos 3adducunt autem scribae et Pharisaei mulierem in adulterio deprehensam et
statuerunt eam in medio 4et dixerunt ei magister haec mulier modo deprehensa est in adultério
5in lege autem Moses mandavit nobis huiusmodi lapidare tu ergo quid dicis 6haec autem
dicebant temptantes eum ut possent accusare eum Iesus autem inclinans se deorsum digito
scribebat in terra 7cum autem perseverarent interrogantes eum erexit se et dixit eis qui sine
peccato est vestrum primus in illam lapidem mittat 8et iterum se inclinans scribebat in terra
9audientes autem unus post unum exiebant incipientes a senioribus et remansit solus et
mulier in medio stans 10erigens autem se Iesus dixit ei mulier ubi sunt nemo te condemnavit
11quae dixit nemo Domine dixit autem Iesus nec ego te condemnabo vade et amplius iam noli
peccare”.
9 Cf. Nestle-Aland, eds., «Aparato crítico», Novum Testamentum Graece….
10 Cf. Samuel Pérez Millos, Juan: comentario exegético al texto griego del Nuevo Testamento
(Barcelona: CLIF, 2016), 797.
11 Cf. Pérez Millos, Juan…, 798.
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folhas que faltavam para incluir a seção junto com o restante do texto12.
A seção apresenta um asterisco (*) em outros códices maiúsculos, que
indica dúvidas sobre a autenticidade, como em E M S D e em muitos
minúsculos13.
No Oriente, a passagem não faz parte da forma mais antiga da versão
siríaca, não consta nas versões saídica e subacmímica, nem nos manuscritos
mais antigos da versão boaírica. Alguns manuscritos armênios e as antigas
versões georgianas também omitem essa perícope14. No Ocidente, a
passagem está ausente da versão gótica e de vários manuscritos das versões
latinas antigas, como a, f, l e q. Nenhum Padre da Igreja Grega antes de
Eutímio Zigabeno (século XII) comenta a passagem, e Eutímio declara que
as cópias exatas do Evangelho de João não a contém. Muitos comentaristas
gregos como Orígenes, Crisóstomo, Cirilo e Teodoro de Mopsuéstia, não
comentam esta seção. Eles passam de Jo 7,52 para Jo 8,1215.
Quanto às evidências internas, constata-se que o estilo e o vocabulário
da seção, no emprego da língua grega, diferem bastante e visivelmente do
restante do IV Evangelho. Esta seção interrompe a sequência de Jo 7,52 e Jo
8,12ss. Parece evidente que sua autoria não seja, de fato, joanina16. O texto
contém várias palavras que não se encontram em nenhum outro escrito
joanino, o que por si só não comprova nada, mas indica uma possível “não
compilação” do autor original. A presença de muitas variantes textuais
indica falta de firmeza no texto. Isto se confirma pela posição desta seção
em diferentes lugares na Sagrada Escritura. Por outro lado, a perícope Jo
7,53 – 8,11 está presente em vários códices gregos maiúsculos, entre eles
12 Cf. Bruce Manning Metzger, A textual commentary on the Greek New Testament (New York:
United Bible Societies, 1971), 219-220.
13 Cf. Pérez Millos, Juan…, 797.
14 Cf. Roger L. Omanson, Variantes textuais do Novo Testamento (Barueri: Sociedad Bíblica do
Brasil, 2010), 183; Pérez Millos, Juan…, 798.
15 Cf. Pérez Millos, Juan…, 798.
16 Cf. Omanson, Variantes textuais..., 184.
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 45
D, porém uma característica deste códice é a presença de muitas adições.
Outros códices gregos maiúsculos têm a condição de serem mais recentes,
com variações na colocação do relato. Mas o número de manuscritos
favoráveis também é significativo, a saber: D K L*vid Γ Δ*vid 118. 174. 209.
579. 700. 892.; também é sustentado pelo texto e por algumas versões
lat bopt; por Hiermss (c. obel. 230. 1424mg); alguns manuscritos trazem em
outros lugares, depois de: p. 7,36 225; p. 21,25 l. 1582; p. L 21,38 f13.17.
A isso, acrescente-se ainda o fato de que a narrativa da perícope Jo 7,53 –
8,11 se harmoniza com o contexto imediato após a discussão e incidente
de Jesus com os oficiais de justiça, servindo bem como introdução ao
discurso que se dá a partir de Jo 8,12ss. Jesus se apresenta como Salvador
que não veio para condenar, mas para salvar os pecadores, como é o caso
da mulher “pega em flagrante adultério”.
Em um campo oposto, algumas “evidências” confirmam a
autenticidade e autoria do relato como joanino18. Por exemplo, alguns
estudiosos consideram que o relato carrega marcas da veracidade
histórica e comentam que se trata de uma peça de tradição oral que
circulou em certas partes da Igreja Ocidental, sendo posteriormente
incorporada em vários manuscritos e em vários lugares.19 Parece que a
história era conhecida já no séc. I, pois Papias, discípulo de João, tinha
conhecimento dela e a explica20. Paciano também cita a passagem como
parte do Evangelho segundo João, antes do ano 304 d.C. Ambrósio
também menciona a passagem e Jerônimo afirma que ela aparece em
códices gregos e latinos. Agostinho é o maior defensor da autenticidade
da passagem. Ele diz que a passagem é retirada do manuscrito porque
temiam que as mulheres recorressem a essa história como desculpa
17 Cf. Nestle-Aland, eds., «Aparato crítico», Novum Testamentum...; cf. Donald Arthur Carson,
The Gospel according to John (Michigan: Leicester-Eerdmans Publishing Group, 1991), 259.
18 Cf. Pérez Millos, Juan…, 798-800.
19 Cf. Omanson, Variantes textuais..., 184.
20 Cf. Pérez Millos, Juan…, 798.
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera46
para sua infidelidade; o que não pode ser totalmente descartado, como
possibilidade21.
Os códices Regius (L) e o Delta (D) deixam um grande espaço em
branco entre o versículo final do capítulo sétimo e o décimo segundo do
capítulo oitavo do Evangelho de João. Isto seria algo inexplicável se o
copista não soubesse da existência de um parágrafo que ele sabia existir,
mas por algum motivo omitiu ou pulou22.
Todos esses fatores sugerem que a história não se originou com o
restante do IV Evangelho. Em vez disso, assemelha-se a histórias de
conflito encontradas nos Evangelhos Sinóticos. A Igreja recebe este
texto como Escritura inspirada e o proclama liturgicamente no quinto
domingo da Quaresma do Ano C23.
Uma vez que o texto parece ser uma interpolação, o trabalho de
avaliação da crítica textual não busca a identificação de sua ligação com
um texto original, visto que é evidente a sua inserção posterior. Mas
visa-se, neste sentido, entender que o texto foi conservado e que versões
mais curtas foram preenchidas por elementos explicativos posteriores.
2.1. Elementos de crítica textual
v.8,3: onde o NA28 traz “γυναῖκα ἐπὶ μοιχείᾳ/mulher em adultério”,
o manuscrito D traz “επι αμαρτια γυναικα/mulher em pecado”. Como são
poucos os testemunhos (D 1071) que substituam o termo “adultério” por
“pecado”, elemento menos específico, opta-se pelo texto diplomático de
NA2824.
21 Cf. Pérez Millos, Juan…, 798.
22 Cf. Pérez Millos, Juan…, 798.
23 Cf. Francis Martin y William M. Wright, The Gospel of John (Michigan: Baker Academics,
2015), 155.
24 Cf. Bruce Manning Metzger, A textual commentary…, 222.
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 47
v.8,7b: trata-se do intervalo de palavras, apresentado pela edição de
NA28, entre “αυτόν/a ele” e “αύτοίς/eles”. Alguns poucos testemunhos
omitem “αυτόν/a ele”, provavelmente, por julgá-lo desnecessário, enquanto
outros substituem “αύτοίς/eles” pela locução preposicional “προς αύτους/
para eles”. Percebe-se que mesmo existindo uma forma mais curta, posterior,
o texto possui sentido em si mesmo, correspondendo à outras seções nas
quais “αυτόν/a ele” é explicitado, portanto, não parece haver necessidade de
correções ou adições ao que foi trazido pelo texto diplomático de NA2825.
v.8,9ab: sobre os complementos à expressão “οἱ δὲ άκουσαντες
έςήρχοντο εις καθ‘εις/e tendo ouvido/mas ao ouvi-lo eles começaram a
sair um a um”, tudo indica que copistas continuaram a fazer acréscimos ao
texto básico da história da mulher adúltera. O textus receptus acrescenta
a afirmação de que aqueles que acusaram a mulher foram “καὶ ὑπό τῆς
συνειδήσεως ἔλεγχομενοι έξήρχοντο εἷς καθʼεἷς/e acusados pela própria
consciência foram saindo um a um”26. Como esta informação é atestada
por poucos manuscritos, de um período muito mais recente, prefere-se o
texto conforme consta em NA28.
v.8,9c: onde o texto de NA28 traz “πρεσβυτέριον/mais velhos”, a
leitura do termo “πρεσβυτερίου/anciãos” foi ampliada pelo acréscimo
de locuções e frases como “εως των εσχατων/até aos últimos” e “assim
que todos saíram”, indicando que todos aqueles que acusaram a mulher
foram embora. Os acréscimos não alteram o entendimento do texto,
além de se tratarem de acréscimos (interpolações), por isso concorda-se
com o texto diplomático de NA28, até mesmo porque a lectio brevior
potior (a leitura mais curta é preferível) e parece ser a mais coerente27.
25 Cf. Omanson, Variantes textuais..., 185.
26 Cf. Nestle-Aland, eds., «Aparato Crítico», Novum Testamentum Graece....
27 Cf. Waldecir Gonzaga, «A Sagrada Escritura, a alma da Sagrada Teologia», en Exegese,
teologia e pastoral, relações, tensões e desafios, ed. por Isidoro Mazzarollo, Leonardo
Agostini Fernandes y Maria de Lourdes Corrêa Lima, (Rio de Janeiro: PUC-Rio – Santo
André: Academia Cristã, 2015), 221; Omanson, Variantes textuais..., 185.
yachay Año 40, nº 77, 2023, p. 35-74
Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera48
v.8,10b: sobre acréscimos ao nome de “‘Ιησούς/Jesus”, o aparato
crítico indica acréscimos à informação que se refere a Jesus e à mulher
a sós, tais como “e não vendo a ninguém senão a mulher”, podendo
indicar uma lectio corrigenda, que por si só já não é a preferida28. O texto
diplomático é compreensível por si só, sendo este acréscimo posterior
e desnecessário para a compreensão do texto, portanto, a opção pelo
texto acadêmico parece ser mais plausível, concordando com o texto de
NA2829.
v.8,10c: onde o texto diplomático traz “που είσιν/onde estão”,
o textus receptus e alguns poucos manuscritos acrescentam “εκείνοι
οί κατήγοροί σου/aqueles teus acusadores”. O acréscimo é posterior,
tratando-se de uma interpolação, e mesmo não alterando o entendimento
do texto diplomático, não deve ser considerado como uma opção que
remonta a um texto mais antigo. Além disso, lectio brevior potior (a
leitura mais curta é preferível)30.
3. Delimitação e estrutura literária
3.1. Delimitação
A perícope Jo 7,53 – 8,11 encontra-se inserida no macro conjunto
de Jo 7,14–8,5931, em que Jesus está em Jerusalém para a festa dos
Tabernáculos e ensina no templo, ambiente que trará à tona controvérsias
e proclamações. A revelação pública de Jesus produz um ambiente
de tensão. Neste bloco é narrada uma série de acontecimentos que
convergem para o conflito de Jesus com os seus opositores (escribas e
fariseus). Ele sobe à festa escondido e neste lugar é procurado pelos seus
28 Cf. Gonzaga, «A Sagrada Escritura...», 221-222.
29 Cf. Omanson, Variantes textuais..., 185.
30 Cf. Gonzaga, «A Sagrada Escritura... », 185.
31 Cf. Xavier Léon-Dufour, Lettura dell’Evangelo secondo Giovanni (Torino: San Paolo, 2007),
45.
yachay Año 40, nº 77, 2023, p. 35-74
Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 49
adversários. No meio da festa, Jesus começa a ensinar no templo e ali
fala de sua origem. No último dia da festa, Jesus chama àqueles que têm
sede de água viva e lhes faz a promessa de que ele é a fonte de água viva
(Jo 8,37-39). Após as reações à declaração de Jesus, tem-se inserido o
relato da mulher adúltera (Jo 7,53 – 8,11), que constitui uma mudança
temática, pois o tema da Festa dos Tabernáculos [Sukot] continua em
Jo 8,12-59. Na festa, Jesus se autoproclama “luz do mundo” (Jo 8,12),
apresentado como juiz (Jo 8,15-16)32; há uma série de discursos mistos
em que os fariseus discutem com Jesus sobre o seu testemunho (Jo 8,13-
14), sua identidade (Jo 8,21-30), sobre Abraão e a sua paternidade (Jo
8,31-59). As acusações dos judeus (Jo 8,52) culminam numa tentativa
frustrada de apedrejamento do próprio Jesus (Jo 8,59).
3.2. Contexto antecedente próximo
Pode-se dizer que a seção de Jo 7,53 – 8,11, considerada como uma
interpolação, conforme atesta a crítica textual, não pode ser considerada
como parte do Evangelho original de João e sim uma inserção posterior33.
Há aqui uma quebra no desenvolvimento da narrativa, pois o relato
divide a ação de um dia na vida de Jesus em duas partes.
No contexto antecedente próximo (Jo 7,45-52)34, surgem novos
personagens, temática nova e há mudança geográfica. Os personagens
de Jo 7,45-52 são os guardas, os chefes dos sacerdotes, os fariseus,
Nicodemos; em Jo 7,53 – 8,11, os personagens são Jesus, a multidão, os
escribas, os fariseus e a mulher. A temática de Jo 7,45-52 traz a prisão
de Jesus malsucedida, a defesa de Nicodemos e a resposta agressiva dos
32 Cf. Raymond Edward Brown, Comentário ao Evangelho segundo João (Santo André:
Academia Cristã – São Paulo: São Paulo, 2020), 605.
33 Cf. J. Ramsey Michaels, Novo comentário bíblico contemporâneo: João (São Paulo: Vida,
1994), 156.
34 Cf. George R. Beasley-Murray, Word Biblical commentary: John (Texas: Word Books
Publisher, 1987), 117.
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera50
fariseus. Em Jo 7,53 – 8,11, o tema gira em torno da mulher apanhada
em adultério que é trazida até Jesus pelos escribas e fariseus. Eles fazem
uma pergunta ardilosa para testar Jesus e pô-lo à prova, sempre com
intenção de matá-lo. Quanto ao espaço, em Jo 7,45-52, a cena se passa
provavelmente no templo, na festa dos Tabernáculos, onde os guardas
estão perante os chefes dos sacerdotes e dos fariseus. Em Jo 7,53,
Jesus vai para o Monte das Oliveiras e a multidão vai para casa. Este,
claramente, é um versículo de transição, abrindo a perícope com uma
informação temporal, a saber, que no dia seguinte Jesus vai cedo para o
templo.
3.3. Contexto posterior próximo
No contexto posterior próximo, nota-se uma mudança temática,
pois Jesus começa a autoproclamar-se “luz do mundo”, revelando sua
identidade. Em Jo 7,53 – 8,11 todos saíram de cena, só restando Jesus
e a mulher, e com o diálogo deles conclui-se o episódio da mulher
adúltera. Em Jo 8,13 Jesus fala a “eles”; provavelmente sua fala se dirige
à multidão presente no v.40, o que denota uma mudança de personagens
e de tema.
Em síntese, a seção localiza-se num trecho que divide o discurso
de Jesus à multidão em duas partes: Jesus se autoproclama água viva e
luz do mundo. Ambas situações são ligadas majoritariamente a textos
veterotestamentários proféticos e sapienciais: ao fazer a promessa sobre
a água viva, Jesus remete a Pr 1,20; Is 55,1-3.44,3; e quando diz ser a
luz do mundo, refere-se a Ex 13,21; Sl 27,1; 36,10; 89,16; Sb 7,26; Is
9,1; 60,19.
Percebe-se que Jo 7,53 – 8,11 é uma unidade literária e
redacional consistente, mas que, como seção, foi inserida no texto
joanino posteriormente. Pode-se dizer que é uma unidade textual que
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 51
possivelmente se trata de uma peça de tradição oral que circulou em
certas partes da Igreja Ocidental e que foi posteriormente incorporada
em vários manuscritos e em vários lugares, fazendo com que fosse
definitivamente inserida no cânon do Novo Testamento, pertencente ao
corpus do IV Evangelho35.
3.4. Estrutura e forma retórica
Na maior parte dos comentários, a seção ocorre estruturada de forma
muito similar. Dentre várias, compartilhamos algumas, para ajudar a ter
uma ideia de como tem sido dividida e trabalhada, desde o século XX:
1) Moloney e Zumstein estruturam a seção em36:
a) 7,53–8,2: exposição ou introdução.
b) 8,3-6a: caso apresentado a Jesus pelos escribas e fariseus.
c) 8,6b-9: a resposta de Jesus aos acusadores (escribas e
fariseus).
d) 8,10-11: diálogo entre Jesus e a mulher.
2) Beutler propõe a seguinte divisão37:
a) 7,53–8,2: introdução.
b) 8,3-6b: narra-se o inquérito dos escribas e fariseus.
c) 8,6c-8: reação de Jesus.
d) 8,9-1: conclusão da narrativa.
35 Cf. Omanson, Variantes textuais..., 184.
36 Cf. Francis J. Moloney, Il Vangelo di Giovanni (Torino: Elledici, 2007), 225-226; Jean Zumstein,
Il Vangelo secondo Giovanni (Torino: Claudiana, 2007), 374.
37 Cf. Johannes Beutler, Comentario al evangelio de Juan (Estella (Navarra): Verbo Divino,
2016), 204-205.
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera52
3) A estrutura de Niccaci e Bataglia38:
a) 7,53–8,2: introdução.
b) 8,3-6a: o fato e a pergunta dos acusadores.
c) 8,6b-8: a resposta de Jesus.
d) 8,9: a partida dos acusadores.
e) 8,10-11: o diálogo entre Jesus e a mulher.
A estrutura adotada no presente estudo, mesmo seguindo de
perto a apresentada por Nicacci e Bataglia (que separam o v.9, onde é
apresentada a cena do afastamento dos acusadores da mulher), destaca
alguns elementos, formando uma estrutura própria, com algumas
particularidades que eles não apresentam, esmiuçando o texto, a saber:
a) Jo 7,53–8,2: introdução
Cada um volta para sua casa (7,53)
Jesus vai para o Monte das Oliveiras (8,1)
Ao amanhecer, Jesus e o povo voltam ao templo (8,2ab)
Jesus senta-se para ensinar o povo (8,2cd)
b) Jo 8,3-6d: o fato e a pergunta dos acusadores
Os escribas e os fariseus trazem uma mulher (8,3a)
A mulher é acusada de cometer adultério (8,3b)
A mulher é trazida para o meio da cena (8,3c)
Exposição da acusação para Jesus (8,4a-c)
A Lei de Moisés ordena o apedrejamento (8,5ab)
Indagação sobre a posição de Jesus (8,5c)
38 Cf. Alviero Niccaci y Oscar Battaglia, Comentário ao Evangelho de São João (Petrópolis:
Vozes, 2000), 140.
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 53
Armadilha dos acusadores (8,6a-d)
c) Jo 8,6e-8, 7e: a resposta de Jesus
Jesus inclina-se, escreve na terra com o dedo (8,6ef)
Insistência dos escribas e fariseus (8,7ab)
Jesus levanta-se e responde (8,7cd)
A resposta: o sem-pecado, que atire a primeira pedra (8,7e)
d) Jo 8,9ad: partida dos acusadores
Jesus inclina-se, escreve na terra (8,9a)
Os acusadores escutam e partem (8,9ab)
A começar pelos mais velhos (8,9c)
Jesus é deixado pelos escribas e fariseus (8,9d)
e) Jo 8,9e-11: o diálogo entre Jesus e a mulher
A mulher permanece no meio (8,9e)
Jesus pergunta à mulher onde estão os acusadores (8,10c)
Quer saber se ninguém a condenou (8,10d)
A mulher lhe responde que não, e chama Jesus de Senhor (8,11b).
Jesus também não a condena (8,11cd).
Jesus despede-a e ordena a não mais pecar (8,11ef).
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera54
3.5. Estrutura retórica
53 E cada um voltou para sua casa
1 E Jesus foi para o monte das oliveiras
2 E ao amanhecer voltou ao templo
e todo o povo vinha a ele
E sentando-se
ensinava-lhes
3 Trazem então
os escribas e fariseus
uma MULHER QUE FOI APANHADA em adultério
E colocando-A no meio
4 dizem-lhe:
“Mestre, esta MULHER FOI APANHADA no próprio ato
Cometendo adultério
5 Na Lei, Moisés nos ordenou
apedrejar as TAIS (mulheres)
Tu pois, o que dizes?”
6 Mas diziam isto testando-lhe
para que tivessem(com o que) acusá-lo
mas Jesus inclinou-se escreva com o
dedo na terra
7 E como insistiam perguntando-lhe
Levantou-se e disse-lhes
quem de vocês não tiver cometido pecado
seja o PRIMEIRO a JOGAR a PEDRA contra ELA
8 inclinando-se novamente escrevia na terra
9 E tendo ouvido
começaram a sair UM a UM
começando desde os mais velhos
E foi deixado só
E a MULHER permanecia no meio
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 55
10 Tendo se levantado então.
Jesus disse a ELA:
“MULHER, onde estão?
Ninguém Te condenou?
11 E ELA disse:
“Ninguém, Senhor”.
Disse-lhe
Jesus: “Nem eu Te condeno
Vai
E, a partir de agora, não peques mais”.
Na introdução (Jo 7,53-8,2), cada um volta para sua casa e Jesus
vai para o Monte das Oliveiras. Na manhã seguinte, ele volta ao templo
para ensinar (sentado) e o povo vem a ele. É de se notar que Jesus
pernoita fora de Jerusalém, no Monte das Oliveiras, como também se lê
nos Sinóticos (Mt 8,20; Lc 9,58). Pode-se especular que ali não era um
“lugar seguro” e nem amistoso para ele (Jo 2,13-25).
Em seguida (Jo 8,3-6ad), a mulher apanhada em adultério é trazida
pelos escribas e fariseus e colocada no meio da cena onde Jesus
ensinava. A sua situação é exposta diante de todos os presentes. Os
acusadores ditam a sentença contida na Lei para “tais” mulheres –morte
por apedrejamento–, e perguntam a Jesus o que ele diz sobre a situação.
O narrador indica que, na verdade, eles estavam interessados em testar
Jesus criando-lhe uma armadilha, com intenções de colocá-lo à prova
para, em seguida, matá-lo.
Em Jo 8,6e-8, Jesus não diz nenhuma palavra, apenas inclina-
se e escreve na terra com o dedo. A atitude de Jesus não satisfaz seus
interlocutores que perguntam insistentemente sobre sua opinião. Jesus,
então, levanta-se, olhando para eles e para a mulher condenada sem
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera56
direito de defesa, impiedosa e maldosamente, e lhes afirma: aquele que
dentre os presentes não tiver pecado pode ser o primeiro a executar a pena
atirando a pedra na mulher. Ele torna a inclinar-se e escrever na terra. A
resposta e a atitude de Jesus (Jo 8,6e-8) fazem com que todos se retirem,
a começar pelos mais velhos (Jo 8,9). Jesus e a mulher ficam a sós. Ele
se levanta e inicia um novo diálogo, agora libertador, misericordioso e
restaurador (Jo 8,10-11). Ele pergunta à mulher onde estão seus algozes
e se ninguém a havia condenado. Ao que ela lhe responde que não, e o
chama de “Senhor” (v.11a). Ele a despede, afirmando que também não a
condena e ordena-lhe que não mais volte pecar (v.11bc).
4. Análise das Formas
4.1. Movimento dos verbos
Analisando as formas verbais, nota-se a presença de verbos que
expressam movimentos corporais. Estes ilustram a cena com mais
precisão e fornecem mais dados ao leitor-ouvinte para que a cena
descrita fique mais nítida.
καθίσας (v.2c) sentando-se
στήσαντες αὐτὴν ἐν μέσῳ (v.3c) colocando-a no meio
κάτω κύψας (v.6e) inclinou-se
ἀνέκυψεν (v.7c) levantou-se
πάλιν κατακύψας (v.8a) inclinou-se novamente
ἀνακύψας (v.10a) levantou-se
Percebe-se que o texto é emoldurado pelo verbo “πορεύω/ir”,
presente em Jo 7,53 e em Jo 8,1.11. Em Jo 7,53: “ἐπορεύθησαν ἕκαστος
εἰς τὸν οἶκον αὐτοῦ /cada um voltou para sua casa”. Em Jo 8,1a Jesus vai
“εἰς τὸ ὄρος/para o monte”, e em 8,2a, Jesus “foi novamente” (voltou)
“εἰς τὸ ἱερὸν/para o templo”. O texto se inicia com o deslocamento
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 57
da multidão e de Jesus; nota-se um padrão sintático no deslocamento
dos personagens (“εἰς τὸ/para o”); em 8,2d, “ἐδίδασκεν/ensinava”, e
em 8,4b, “διδάσκαλε/mestre”, estabelecem uma relação morfológica e
semântica porque possuem a mesma raiz e a mesma conotação; em 8,6f,
Jesus escreve com o dedo na terra; esta mesma ação de escrever na terra
é repetida duas vezes em momentos de pausa e silêncio na cena; em 8,6f
(“κατέγραφεν εἰς τὴν γῆν/escrevia na terra”) e em 8,8b (“ἔγραφεν εἰς
τὴν γῆν/escrevia na terra”).
A maior incidência de orações verbais mostra que o texto é dinâmico
com verbos associados ao narrador e às personagens, e podem ser
classificados em:
Verbos de deslocamento Ir/andar;
vir;
voltar;
sair
Verbos de ações corporais de Jesus Sentar-se;
agachar-se;
levantar-se;
agachar-se novamente
Verbos de intenções dos
personagens
Apedrejar (todos);
atirar pedra (todos);
condenar (todos);
não condenar (Jesus);
tentar; acusar (fariseus e escribas)
Verbos ligados ao ensino/debate Ensinar; escrever (Jesus); perguntar; continuar
(insistir) (Escribas e fariseus);
dizer (responder) (fariseus escribas, Jesus e
mulher); ouvir (Jesus, escribas e fariseus +
mulher e o povo)
Verbos causativos Trazer (fariseus e escribas); ser colocada no
meio (mulher);
ser deixado sozinho (Jesus)
Verbos de estado Apanhada; cometer adultério; estar ao meio
(mulher).
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera58
O texto encena um deslocamento de Jesus e da multidão na
introdução (Jo 7,53–8,2b) e, no desenrolar da história, a mulher trazida,
provavelmente pelos braços e colocada no centro da cena (v.3ac); a
pergunta dos acusadores (v.5c), que querem pôr Jesus à prova (v.5c); e a
insistência para obter uma resposta de Jesus, caracterizam um ambiente
de tensão (v.7ab). No entanto, a atitude de Jesus de inclinar-se e desenhar
na terra (vv.6f.8b) desempenha uma função de transição, pois com a sua
resposta, o foco da questão sobre a atitude da mulher é desviado para a
conduta moral dos personagens que se colocam de modo acusador.
4.2. Os elementos conjuntivos
As conjunções lógico-conectivas “καὶ/e” e “δὲ/mas/e/então”
permeiam o texto dando-lhe unidade e coerência interna: “καὶ/e” ocorre
em Jo 7,53;8,22x.32x.7.8.92x [no total de 10 vezes]; “δὲ/mas/e/então”
ocorre em 8,2.3.5.62x.7.9.10.112x [no total de 11 vezes]. Percebe-se um
uso bastante numeroso de tais conjunções, que reflete a forma de escrita,
própria do autor ou da transmissão oral, como uma maneira de dar uma
forma contínua à narrativa. Em um nível sintático, percebe-se que “δὲ/
mas/e/então” só aqui tipicamente conecta as orações na narrativa (a
partícula é encontrada em 8,1.2.3.5.7.9.10.11)39.
4.3. Hápax Legoumena
O neologismo “ἀναμάρτητος/sem-pecado”, é um hápax legoumenon,
e pode ser encarado como uma sentença proferida por Jesus com base
na Torá: a primeira “λίθος/pedra” (v.7e)40 deveria ser atirada pela
testemunha e depois o povo poderia apedrejar a vítima (Dt 17,7; Lv
24,14); entretanto todos os homens são pecadores (Jr 17,13). Na segunda
39 Cf. Andreas Köstenberger, John (Baker exegetical commentary on the New Testament)
(Michigan: Grand Rapids, 2004), 245.
40 A raiz de λιθ- encontra-se no v.5b, como forma verbal, no infinitivo “λιθάζειν/apedrejar”; e
como substantivo, encontra-se no v.7e, “λίθον/pedra.
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 59
vez que Jesus escreve (v.8b), presume-se que ele poderia ter recorrido
ao texto de Ex 23,7, que trata do comportamento da testemunha perante
o réu. Com sua resposta, Jesus evidencia que a maldade dos corações
constituía uma declaração de nulidade para a condenação (da mulher e
dele), uma vez que se encontravam inaptos a executar a própria lei que
estavam tão ansiosos para cumprir41.
O tema do adultério não é abordado em nenhum outro lugar do IV
Evangelho, o que explica que o verbo e o substantivo para se indicar
que alguém cometeu “adultério” estão limitados ao presente contexto.
Em segundo lugar, a forma verbal κύψας (um particípio aoristo ativo
nominativo singular do verbo κύπτω), que descreve Jesus “inclinando-se”
e “levantando-se”, representa outro hapax legoumenon no IV Evangelho:
κύπτω, ἀνακύπτω e κατακύπτω42. A expressão “ἀναμάρτητος/sem-
pecado” também pode ser explicada como exclusiva para o presente
contexto43.
Nota-se uma propensão para prefixos verbais κατα – que, neste
caso, indica uma ação de baixar-se –, entre o vocabulário não-joanino
na presente perícope (καταγράφω, κατακύπτω, καταλείπω, κατακρίνω),
o que parece incomum.
Em certos momentos, parece até haver contra evidência sugerindo
possível autoria joanina da perícope. Um caso em questão é a formulação
quase idêntica de 6,6a: “τοῦτο δὲ ἔλεγεν πειράζων αὐτόν/mas dizia isto
testando-lhe” e 8,6a: “τοῦτο δὲ ἔλεγον πειράζοντες αὐτόν/mas diziam
isto testando-lhe”44.
41 Cf. William Hendriksen, The Gospel according to John, vol. II (Michigan: Baker Groups, 1983),
282.
42 Cf. Köstenberger, John…, 245.
43 Embora termo semelhante ocorra em Jo 8,46: τίς ἐξ ὑμῶν ἐλέγχει με περὶ ἁμαρτίας; εἰ
ἀλήθειαν λέγω, διὰ τί ὑμεῖς οὐ πιστεύετέ μοι.
44 Cf. Köstenberger, John…, 245
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera60
4.4. Uso dos pronomes
O pronome pessoal, em terceira pessoa, ocorre 11 vezes no texto.
A grande ocorrência destes pronomes pessoais (no singular e plural)
evidencia os personagens da narrativa e, por consequência, o caráter
narrativo atribuído ao texto.
a Jesus (terceira singular) – v.2b; v.4a; v.6b; v.6d; v.7b;
ao povo (terceira singular/plural) – 7,53; v.2d;
aos escribas e fariseus (terceira plural) – v.7d;
à mulher (terceira singular) – v.3c; v.4b; v.10b.
Nota-se, entretanto, que a seção narrativa é entremeada por diálogos.
Em 8,4b-5c há a fala dos acusadores; em 8,7e há a resposta/acusação de
Jesus aos escribas e fariseus; em 8,10cd, Jesus fala com a mulher; em
8,10b, a mulher responde a Jesus; e, por fim, em 8,11df Jesus despede
a mulher e lhe ordena de não mais pecar. Há quatro ocorrências de
pronomes pessoais de segunda pessoa (três no singular e uma no plural)
que mostram o caráter dialógico do texto:
Em referência a Jesus – “o que tu dizes?” (v.5c);
dirigido aos escribas/fariseus – “quem de vós” (v.7e);
Jesus fala à mulher – “te condenou” (v.10d)
“não te condeno” (v.11d).
4.5. Algumas conclusões
Parece ser provável que esta seção realmente não fazia parte da
redação original de João, o que é amplamente atestado pela crítica textual.
Todavia entrou no cânon e faz parte do IV Evangelho, desde os primeiros
séculos, inclusive se encontra na Vulgata e foi confirmado por Trento45.
Com proveniência literária incerta, a perícope apresenta caráter isolado e
45 Cf. Hahn y Mitch, O evangelho de São João..., 57.
yachay Año 40, nº 77, 2023, p. 35-74
Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 61
nota-se que a natureza da narrativa é muito mais sinótica46. Embora este
relato, possivelmente, não pareça ter sido parte do plano original do IV
Evangelho, ele foi inserido ali e sua autoridade é reconhecida pela Igreja.
É considerado um texto inspirado e, por isso, figura no Cânon47.
Pode-se pensar que seria mais harmônico situá-lo após Lc 21,38,
pois no terceiro Evangelho Jesus está na última semana de seu ministério
e pernoita no Monte das Oliveiras, ensinando no templo durante o dia
cercado de pessoas, respondendo os sacerdotes e fariseus acerca da Lei48.
Um dos motivos pelos quais alguns escritos posteriores o incluem em
Lucas é devido ao estilo de narração que parece ser do terceiro evangelista.
Segundo Malzoni49, Jo 8,1-2 e Lc 21,37-38 são textos paralelos, o que teria
favorecido a inserção de Jo 7,53 – 8,11 logo após Lc 21,38. A temática
entre as perícopes é a mesma: Jesus acolhe uma pecadora.
Com relação à evidência interna, Köstenberger afirma que
Morgenthaler conclui que quatorze das oitenta e duas palavras usadas
nesta perícope, ou seja 17%, são exclusivas de João. Algumas palavras
não são encontradas em nenhum outro lugar deste Evangelho, a saber:
ἐλαία (8,1); ὄρθρος (8,2); 8,3 μοιχεία (8,3); αὐτόφωρος, μοιχεύω (8,4);
κύπτω, καταγράφω (8,6); ἐπιμένω, ἀνακύπτω, ἀναμάρτητος (8,7);
κατακύπτω (8,8); πρεσβύτερος, καταλείπω (8,9); ἀνακύπτω (2x),
κατακρίνω (8,10); κατακρίνω (8,11, 2x). Várias outras palavras ocorrem
apenas uma ou duas vezes em outras partes do IV Evangelho. Para isso,
deve ser adicionado à não ocorrência do vocabulário joanino padrão,
como é o caso de conjunções e partículas, etc.: ἀλλά, ἐάν, ἐκ, ἡμεῖς,
ἵνα μή, μαθητής, οἶδα, ὅς, ὅτι, ὐ50. João também não menciona mais o
46 Cf. Rudolf Schnackenburg, Commentario teologico del Nuovo Testamento (Brescia: Paideia,
1977), 225.
47 Cf. Niccaci y Battaglia, Comentário ao Evangelho de São João, 139-140.M
48 Cf. Michaels, Novo comentário bíblico contemporâneo..., 156.
49 Cf. Cláudio Vianner Malzoni, Evangelho segundo João (São Paulo: Paulinas, 2018), 161.
50 Cf. Köstenberger, John…, 245-250.
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera62
Monte das Oliveiras (8,1)51. Com base em sua história textual suspeita
e seu amplo vocabulário não joanino, pode-se concluir que, de fato, a
perícope é uma interpolação52.
5. Gênero Literário
É um texto narrativo que contém uma disputa jurídica permeada
por diálogos. Os elementos jurídicos do texto mostram que se trata de
um julgamento, cujo verdadeiro pretexto era testar Jesus. Poderia ser
classificado como créia que, segundo Berger53, designa uma fala ou
ação ocasionada na vida de uma pessoa importante pela situação, mas
transcendendo-a; o apotegma já é um subgênero da créia: nele costuma
haver somente uma pessoa que pergunta e uma que responde.
Bultman qualifica o relato como “apotegma apócrifo”54. Este gênero
requer o juízo de Jesus e ele reponde com uma palavra que enlaça
estreitamente com a situação. Segundo Beutler, a cena tem as características
de uma polêmica ou debate sobre questões de direito, mas não se pode
classificá-la neste gênero literário. Para ele, a história é antes um exemplo
de paradigma ou apotegma, pouco atestado em João, e que, na perícope de
7,53 – 8,11, encontra seu clímax e conclusão na palavra de Jesus55.
6. Comentário
a) 7,53-8,2: introdução
Jo 7,53 parece mostrar que a história estava originalmente ligada
a alguma outra narrativa. Jesus vai para o Monte das Oliveiras, local
não mencionado em outro lugar no IV Evangelho, embora o seja nos
51 Cf. Wilson Paroschi, Crítica textual do Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1993), 202.
52 Cf. Köstenberger, John…, 247.
53 Cf. Klaus Berger, As formas literárias do Novo Testamento (São Paulo: Loyola, 1984), 87.
54 Cf. Joseph Blank, El Evangelio según San Juan, Tomo Primero b (Barcelona: Herder, 1984), 123.
55 Cf. Beutler, Comentario al Evangelio de Juan, 389.
yachay Año 40, nº 77, 2023, p. 35-74
Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 63
Sinóticos56. Uma multidão não especificada vai para casa, tendo em
vista esta informação, pressupõe-se que Jesus ensinava aos habitantes de
Jerusalém. Jesus volta ao templo onde torna a encontrar-se com “todo o
povo” para ensinar57. Jo 8,2a, “πάλιν παρεγένετο/veio novamente” (aqui
traduzido por “voltou”) indica que a narrativa, da qual esta história foi
extraída, inclui uma visita anterior ou visitas ao templo e também incluía
uma referência ao ensino. Quando Jesus chegou ao pátio do templo, as
pessoas continuavam vindo até ele; então ele se sentou e começou a
ensiná-los58.
b) 8,3-6d: o fato e a pergunta dos acusadores
O v.3 dá início à história da mulher apanhada em adultério. Os
escribas e fariseus59 agem com astúcia para testar Jesus, referem-se a
ele como “διδάσκαλε/mestre” e lhe perguntam o que ele diria sobre a
mulher que teria sido apanhada em flagrante adultério, uma vez que
a Lei de Moisés prescrevia a morte por apedrejamento pela prática de
tal delito60. Embora a Torá prescrevesse um teste investigativo para
casos suspeitos de adultério (Nm 5,12-31), aparentemente, a mulher é
56 Lucas diz especificamente que Jesus se alojou no Monte das Oliveiras (Lc 21,37;22,39)
57 No relato de Lucas, Jesus ensina repetidas vezes no templo (Lc 19,47; 20,1; 21,37) Cf.
Schnackenburg, Commentario Teologico..., 226.
58 Cf. Leon Morris, The Gospel according to John (Michigan: Grand Rapids, 1995), 914.
59 O binômio escribas e fariseus não é típico em João. Em Mateus (7 ocorrências), em Marcos
(3 ocorrências e em Lucas (5 ocorrências). João nunca se refere aos escribas em seu
evangelho. Cf. Schnackenburg, Commentario Teologico..., 226.
60 O decálogo condena o adultério, Ex 20,14; Dt 5,18. Em Lv 18,20, o adultério está incluído
entre as proibições do casamento, é algo que o torna “impuro”. A pena é executada por
apedrejamento, conforme Dt 22,23s; Ez 16,40. O adultério de um homem com uma mulher
casada é severamente punido: os dois cúmplices são condenados à morte: Lv 20,10; Dt
22,22. Neste caso a prometida (noiva) é equiparada à esposa, Dt 22,23s, pois ela pertencia
ao noivo como a mulher ao marido. A fidelidade conjugal é aconselhada ao marido em Pv
5,15-19, mas sua infidelidade não é punida, exceto no caso em que ele fere os direitos de
outrem e tenha uma mulher casada como cúmplice. Em contraste com essa indulgência
desfrutada pelo marido, a imoralidade da mulher casada está sujeita a punições severas. Cf.
Roland de Vaux, Instituiciones del Antiguo Testamento (Barcelona: Herder, 1976), 70-71.
yachay Año 40, nº 77, 2023, p. 35-74
Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera64
culpada, pois, segundo os acusadores, ela teria sido apanhada no próprio
ato cometendo adultério (v.4bc)61.
Os acusadores trazem a mulher e a colocam no meio da cena. Jesus
estava ensinando sentado62, conforme faziam os mestres judeus, e os
acusadores transformam o ambiente de ensino num ambiente forense. A
ré é colocada no meio da cena entre a multidão e Jesus, que, segundo a
armadilha dos promotores, faria papel de juiz. Jesus se esquiva de tal função.
Pelo que se sabe, os romanos tinham cassado do Sinédrio o direito de
vida e de morte. Deste modo, os romanos haviam proibido os judeus de
executar a pena de morte em casos previstos na lei judaica. A armadilha
dos escribas e fariseus era fazer com que Jesus se posicionasse contra a lei
de Moisés ou contra as autoridades romanas (Mc 12,13-17)63. De um jeito
ou de outro, Jesus estaria numa posição delicada. Os escribas e fariseus não
se importavam com a opinião de Jesus, eles queriam que ele caísse em sua
armadilha com suas próprias palavras. Eles armaram a cilada contra Jesus,
pois queriam tentá-lo, a fim de que tivessem alguma acusação contra ele. O
verbo “acusar” é aqui usado no sentido de “levar ao pecado”, uma vez que
se Jesus defendesse a mulher estaria incorrendo contra a Lei de Moisés e se
a acusasse, se posicionaria contra Roma. Ou seja, bem tramada a arapuca e
seus algozes davam por certo que Jesus cairia na mesma e eles iriam obter
o desfecho desejado: difamação, condenação e morte.
c) 8,6e-8: a resposta de Jesus
Jesus não reage de imediato. Ele inclina-se (v.6e) e escreve com
o dedo na terra (v.6f). O detalhe de escrever com o dedo faz lembrar
61 Cf. Martin y Wright, The Gospel of John, 155.
62 O ensino de Jesus sentado pode ser testificado em Mc 4,1; Mt 5,1; Lc 5,3. Cf. Schnackenburg,
Commentario Teologico..., 227.
63 Cf. Pheme Perkins, «Evangelho segundo João», en Novo Comentário Bíblico São Jerônimo:
Novo Testamento e artigos sistemáticos, ed. por Raymond Edward Brown, Joseph A. Fitzmyer
y Roland E. Murphy (São Paulo: Paulus, 2018), 776.
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 65
que duas vezes YHWH escreveu nas tábuas da Lei (Ex 24,12; 34,1), e
escreveu com o dedo em Ex 31,18: “Quando ele terminou de falar com
Moisés no monte Sinai, entregou-lhe as duas tábuas do Testemunho,
tábuas de pedra escritas pelo dedo de Deus.” Com base nestes textos do
livro do Êxodo é possível inferir que Jesus tem autoridade para escrever
a Lei novamente, como YHWH. Nesta perspectiva, a mulher não deve
ser apedrejada e sim perdoada e advertida a não mais pecar64.
Por um lado, os acusadores insistiam em perguntar, mas Jesus não
cai na armadilha. Em vez disso, ele faz da cena de tribunal o seu próprio
palco, “abaixa-se e com o dedo [escreve] na terra” (v.6f). Ao fazer isso,
ele aumenta o suspense, acrescentando um “momento retardador” à cena.
Jesus levanta-se e lança o desafio: os que não têm pecado que atirem a
primeira pedra na mulher. Ele proclama sua sentença, condenando não
a adúltera, mas seus acusadores, confundindo-os retoricamente. Jesus se
coloca como a suprema autoridade julgadora65.
Por outro lado, pode-se pensar que a resposta de Jesus não pretende
dirimir as questões jurídicas da pena de morte contra a mulher. O parceiro
da ré está ausente na cena, o que poderia tornar o processo inválido66.
Jesus frustra a investida maldosa dos seus acusadores uma vez que faz
com que estes caiam em sua própria armadilha. Segundo a hipótese de
Derett67, a resposta de Jesus se refere à impecabilidade daqueles que
iniciam o apedrejamento, ou seja, as próprias testemunhas, conforme
Ex 23. Jesus mostra-lhes o importante assunto da desqualificação
64 Cf. Malzoni, Evangelho segundo João, 161.
65 Cf. Alan Rudrum y Julia Schatz, «The woman taken in adultery: a literary perspective on
Christ´s writing in John 8:1-12», Connotations (Tübingen) 31 (2022): 92.
66 Há um caso precedente no Antigo Testamento que respaldaria a falta do parceiro na cena
atestado em Dn 13,34-4, em que Suzana é injustamente condenada por adultério sem que se
discriminasse seu parceiro ou local do ato.
67 Cf. John Duncan M. Derrett, Law in the New Testament (Oregon: Wipf & Stock Publishers,
2005), 179.
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera66
de testemunhas contidas neste texto68. Em casos de morte por
apedrejamento, a prescrição era que a mão das testemunhas deveria
ser a primeira contra a vítima e depois, a de todo o povo (Dt 17,7; Lv
24,14). Os maldosos motivos dos acusadores não estão de acordo com
a Lei, e por isso a inteligente resposta de Jesus devolve a questão aos
seus interlocutores. Estes ficam sem saída diante da sua armadilha e
frustrados na tentativa de condenação da mulher, com a finalidade de
condenar a Jesus69.
Segundo Perkins70, alguns autores Patrísticos sugerem que a fala
de Jesus tem respaldo em Jr 17,13: “todos os que te abandonam serão
envergonhados, os que se afastam de ti serão escritos na terra, porque
abandonaram a fonte de água viva, YHWH”. Visto no pano de fundo de
Jr 17,13, a perícope revela-se como uma encenação teatral da afirmação
messiânica de Jesus, um cumprimento da perspectiva profética dada no
livro de Jeremias71.
d) 8,9: a partida dos acusadores
Depois de respondê-los, Jesus se abaixa novamente e volta a escrever
na terra. Jesus devolve a pergunta deles com uma outra pergunta que não
exigia uma resposta e sim, uma ação: jogar ou não a pedra. Então, ao
ouvirem Jesus, entenderam sua palavra (v.9a), mas também seu silêncio
e escrita contínuos, como uma oportunidade para chegar a pensamentos
diferentes ou mesmo para se arrepender. Jesus nem sequer olhou para
cima até que eles foram embora, começando pelo mais velho, que
68 Ex 23,1-3: “não espalharás notícias falsas, nem darás a mão ao ímpio para seres testemunha
de injustiça. Não tomarás partido da maioria para fazeres o mal, nem deporás, num processo,
inclinando-te para a maioria, para torcer o direito, nem serás parcial com o desvalido no seu
processo”; Ex 23,7: “da falsa acusação te afastarás; não matarás o inocente e o justo e não
justificarás o culpado”.
69 Cf. Malzoni, Evangelho segundo João, 160.
70 Cf. Perkins, «Evangelho segundo João», 776.
71 Cf. Rudrum y Schatz, «The woman taken in adultery…», 93.
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 67
possivelmente entendeu “que eles tinham que ser os primeiros dando um
exemplo”72. Outra explicação para a partida dos mais velhos primeiro
pode se dar por eles terem mais experiência de vida e portanto, mais
possibilidades de terem pecado; estes saem primeiro, seguidos pelos
mais jovens. Eles se intimidam diante das palavras de Jesus e nada têm
a dizer diante do exposto por ele. Os anciãos podem condenar os mais
jovens com facilidade, mas devem recordar os seus pecados cometidos
ao longo de sua experiência de vida. Talvez aqui subjaza, como pano de
fundo veterotestamentário, a história de Susana (Dn 5,28-41).
É curioso notar a presença da preposição ἀπὸ indicando que saíam
um a um “a partir” dos mais velhos, a começar pelos mais velhos. Esta
preposição se repete no v.11f, na fala de Jesus para a mulher: “[καὶ]
ἀπὸ τοῦ νῦν μηκέτι ἁμάρτανε/[E], a partir de agora, não peques mais”.
A partir da preposição ἀπὸ, pode-se intuir que os personagens que
abandonaram a cena, a partir dos mais velhos, deixam a presença de
Jesus com pecados, sem perdão e a mulher com o pecado perdoado.
e) 8,10-11: o diálogo entre Jesus e a mulher
Como realça Agostinho de Hipona, na cena restam apenas “a
miserável e a misericórdia”, e o jogo se dá entre essas duas personagens
e protagonistas da ação73. Pela primeira vez a mulher, que ainda se
encontrava no meio, torna-se personagem ativa. Jesus se levantou, saiu
da posição de ensino (sentado). Jesus endireitou e se virou, pela primeira
vez, em direção à mulher. E agindo como se ele próprio não tivesse
se envolvido e nem tivesse notado a partida daqueles que vieram para
prendê-lo, com vocativo, ele pergunta a ela (v. 10cd): “γύναι, ποῦ εἰσιν;
οὐδείς σε κατέκρινεν;/Mulher, onde estão? Ninguém te condenou?”74.
72 Herman Ridderbos, The Gospel of John: a theological commentary (Michigan: Grand Rapids,
1991), 290.
73 Cf. Blank, El Evangelio según San Juan, 128.
74 Cf. Ridderbos, The Gospel of John, 290.
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera68
Jesus se dirige à sua interlocutora como “mulher”, assim como fez com
sua mãe, em Jo 2,4 e 19,26; em Jo 20,13.15, com Maria Madalena; em
Jo 4,21, com a mulher samaritana em Sicar. Ele pergunta-lhe onde estão
e se não a condenaram. Com vocativo, ela responde: “οὐδείς, κύριε/
Ninguém, Senhor” (v.11b)75.
Nos vv.10d.11d o verbo “κατακρίνω/condenar” é usado no sentido
legal de “sentença”. No v.11d Jesus responde à pergunta que lhe foi
feita em 5c: “tu pois, o que dizes?”. Jesus não fala como um rabino que
dá uma opinião sobre uma questão relativa à lei, mas como alguém que
tem poder “na terra para perdoar pecados” (Lc 5,24) e “pôr em liberdade
os oprimidos” (Lc 4,19): “οὐδὲ ἐγώ σε κατακρίνω/nem eu te condeno”
(v.11d). Ele despede a mulher e lhe diz com autoridade messiânica:
“πορεύου, [καὶ] ἀπὸ τοῦ νῦν μηκέτι ἁμάρτανε/Vai, [e] a partir de agora,
não peques mais” (v.11ef).
Conclusão
Cabe ressaltar que, no contexto de João, a perícope da mulher
adúltera foi interpolada no sétimo capítulo. Este possui em comum
uma referência à Lei de Moisés (Jo 7,19.22-23.51; 8,5) e, em relação ao
capítulo oitavo, a referência à lapidação de Jesus (8,59: λιθάζω)76 e da
mulher (8,5)77. A mensagem de Jo 7,53 – 8,11 não entra em conflito com
os ensinamentos de Jesus em outras partes do Novo Testamento, e esta é
mais uma justificativa para a inclusão dessa perícope no cânon bíblico,
apesar de suas origens incertas.
Outro aspecto importante no texto é a disparidade de tratamento
entre homens e mulheres. A mulher é trazida sozinha para a cena de
julgamento, mas o homem que também praticou adultério simplesmente
75 Cf. Michaels, Novo comentário..., 358.
76 Cf. Louw y Nida, Greek-English lexicon of the New Testament…, 236.
77 Cf. Malzoni, Evangelho segundo João, 161.
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Waldecir Gonzaga - Marcela Machado Vianna Torres 69
não aparece no relato. A lei era mais severa para as mulheres, já os
homens poderiam manter a “respeitabilidade pública” apesar das suas
irregularidades de conduta sexual fora do casamento; salvo se a mulher
envolvida fosse casada, pois, neste caso, estaria atentando contra a
propriedade de outro homem. A regulamentação de Jesus desafia a
consciência de cada um dos homens que o ouvem. Ele tira a questão
do plano judicial e a eleva ao plano moral, desfazendo as hipocrisias
e levando à prática da misericórdia; como caminho de reconstrução de
vidas feridas. O que Jesus quer é perdão e não pedradas.
Percebe-se que, para os escribas e fariseus, a mulher é apenas
uma armadilha no conflito. No processo que eles tentam colocar em
vigor, Jesus está sendo desafiado pela Lei de Moisés. A mulher, exposta
publicamente, tornou-se um “objeto” em um debate jurídico. Ela está
sendo instrumentalizada para os propósitos dos escribas e fariseus
para que tivessem com o que acusar a Jesus (Jo 8,6ad)78. Os escribas e
fariseus não se importavam com a opinião de Jesus, eles queriam que
ele caísse em sua armadilha com suas próprias palavras, pois se Jesus
preservasse a Lei de Deus, ofenderia Roma; e se se submetesse à lei
romana, ignoraria a Lei de Deus79.
Hodiernamente, percebemos que a mentalidade que se rege
cegamente pela lei ainda existe em muitas pessoas: os pesos e medidas
para homens e mulheres são diferentes até hoje. Jesus nos ensina que
homem e mulher pecam igualmente e que ambos necessitam do perdão
de Deus. O pecado de Adão e de Eva, a desobediência à Lei de Deus,
é praticada pelo gênero humano, como afirma Paulo, em Rm 3,23,
indicando “πάντες γὰρ ἥμαρτον καὶ ὑστεροῦνται τῆς δόξης τοῦ θεοῦ/de
fato, todos pecaram e estão privados da glória de Deus”.
78 Cf. Moloney, Il Vangelo di Giovanni, 226.
79 Cf. Charles Swindoll, Comentário bíblico Swindoll: João (São Paulo: Hagnos, 2017), 265.
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Perdón y no pedradas: la mujer miserable y la misericordia en el relato de la mujer adúltera70
Nesta situação covarde e vergonhosa, Jesus não insiste em falar
sobre o erro da mulher. Ele não a condena e ordena que ela vá embora
e que não mais peque. Jesus condena o pecado e não o pecador. Seu
perdão reconcilia a pessoa humana com Deus, com o próximo,
consigo mesma e com toda a criação. A correção amorosa restaura e
dá a cada um a possibilidade de progredir, de crescer e amadurecer em
humanidade. Vitorioso será o pecador que nunca desiste e se encontra
com a misericórdia de Cristo. Segundo Ridderbos, “Jesus silencia com
uma palavra, ou um gesto, a maldição de uma lei arrancada de suas
bases e (re)estabelece a justiça sobre o fundamento da sua graça”80.
A graça salvífica é dada a todos igualmente, porém somente a mulher
reconheceu o senhorio de Jesus (Jo 8,11b). Ela partiu com seus pecados
perdoados, eles, no entanto, deixaram a presença de Jesus com o coração
empedernido pela injustiça e endurecido pelos seus pecados.
Enfim, a título de conclusão, vale a pena recordar o que afirma o
Papa Francisco sobre a misericórdia de Cristo, comentando o episódio
da mulher adúltera presente no texto de Jo 8,1-11, ressaltando que Jesus
salva a mulher da condenação à morte. Realça que o comportamento
de Jesus é de profunda misericórdia e amor, jamais de desprezo e/ou
de condenação. Pelo contrário, é de resgate e de valorização da vida
humana, chamando para a mudança de estilo de vida. Com isso, Cristo
revela o rosto misericordioso do Pai, que é sempre paciente e nunca se
cansa de perdoar, dando perdão e não pedradas81.
80 Ridderbos, The Gospel of John, 291.
81 Francisco, «Angelus», 17 de mayo de 2013, acceso el 24 de octubre de 2022, https://
www.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2013/documents/papa-francesco_
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